O tempo do crime é um conceito fundamental no estudo do Direito Penal, pois é a partir dele que podemos identificar qual lei é aplicável ao caso, além de determinar se o agente é imputável no momento dos fatos. Compreender os princípios que regem a lei penal no tempo é essencial para entender a aplicação das normas e garantir que o réu receba um julgamento justo, conforme a legislação vigente no momento do crime.
O Que é o Tempo do Crime?
No âmbito do Direito Penal, o tempo do crime refere-se ao momento em que a conduta criminosa ocorreu, ou seja, a data em que o agente cometeu o ato ilícito. O conceito é importante para que possamos identificar qual lei se aplica ao caso e avaliar a imputabilidade do agente no momento da infração. Em muitos casos, o tempo do crime é a chave para determinar se a lei vigente na data do fato será aplicada ou se houve alguma mudança legislativa que beneficie o réu.
Princípios Essenciais da Lei Penal no Tempo
1. Princípio da Irretroatividade da Lei Penal
Em regra, a lei penal não retroage, ou seja, não pode aplicar-se a fatos cometidos antes de sua entrada em vigor. No entanto, há exceções, como no caso de leis penais benéficas ao réu. Nesses casos, a lei pode retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência, inclusive aqueles amparados por coisa julgada.
Art. 2º do Código Penal – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Dessa forma, quando a nova lei penal for mais benéfica ao réu, ela pode ser aplicada a fatos ocorridos antes de sua vigência, alterando ou até mesmo extinguindo a pena imposta.
2. Súmula 611 do STF
De acordo com a Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal (STF), a competência para aplicar a lei mais benéfica ao réu, quando já houver sentença condenatória transitada em julgado, cabe ao juízo das execuções.
Súmula 611 STF – Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.
Como a Lei Penal Se Aplica no Caso de Sucessão de Leis?
Quando há uma sucessão de leis penais, é necessário observar quatro situações principais:
1.Novatio legis incriminadora (nova lei incriminadora): Uma nova lei cria um novo tipo penal ou aumenta a pena de uma conduta já tipificada.
2.Novatio legis in pejus (nova lei mais gravosa): Uma nova lei aumenta a pena, tornando-a mais severa.
3.Abolitio criminis (nova lei revogadora): Uma nova lei revoga um tipo penal, tornando a conduta atípica.
4.Novatio legis in mellius (nova lei benéfica): Uma nova lei reduz a pena ou altera a tipificação de forma mais favorável ao réu.
Nos casos de abolitio criminis e novatio legis in mellius, a lei mais benéfica pode retroagir, beneficiando o réu, desde que a mudança legislativa seja favorável a ele.
Teorias Aplicadas ao Tempo do Crime
1. Teoria da Atividade
O tempo do crime é considerado o momento da ação ou omissão (a conduta criminosa), ainda que o resultado do crime ocorra em momento posterior. Esse princípio é conhecido como Teoria da Atividade, pois considera o momento em que o agente praticou a conduta, e não o momento em que o resultado se concretizou.
2. Teoria da Ubiquidade
A Teoria da Ubiquidade trata da localização do crime. Ela afirma que o crime pode ser considerado ocorrido tanto no local onde a conduta foi praticada quanto no local onde o resultado se concretizou.
Concurso de Crimes: Quando Vários Crimes São Tratados em Conjunto
No Direito Penal, há tipos de concursos de crimes que exigem atenção especial. São eles:
1. Crime Continuado
O crime continuado ocorre quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, em condições semelhantes, de forma que as infrações posteriores são consideradas uma continuação do primeiro crime.
Art. 71 do Código Penal – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Importante: Os crimes precisam ser da mesma espécie para que seja reconhecida a continuidade delitiva. Jurisprudência, como no HC 162672 do STJ, esclarece que não é possível reconhecer continuidade delitiva entre crimes de espécies distintas, como roubo e furto.
2. Crime Permanente
No caso de crime permanente, a consumação do delito continua no tempo e depende da vontade do agente. Um exemplo clássico é o sequestro, previsto no art. 148 do Código Penal, que se consuma enquanto a vítima permanece privada de liberdade sob o poder do agente.
Súmula 711 do STF – A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência for anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Isso significa que, se uma lei penal mais gravosa for criada enquanto o crime contínuo ou permanente ainda estiver sendo praticado, ela será aplicada, desde que tenha entrado em vigor antes da cessação do crime.
Leis Excepcionais e Temporárias: O Que São e Como Se Aplicam?
As leis excepcionais e temporárias são aquelas criadas para regular situações anormais e específicas, com prazos determinados ou indeterminados. Elas são aplicáveis aos fatos ocorridos durante sua vigência, mas possuem características distintas:
•Lei Excepcional: Criada para regular uma situação anormal, como uma guerra, com duração indeterminada.
•Lei Temporária: Regula uma situação anormal, mas tem duração limitada, como no caso da Lei Geral da Copa, que tratava de eventos específicos.
Art. 3º do Código Penal – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Territorialidade da Lei Penal: O Que Diz a Legislação?
A territorialidade da lei penal se aplica em território nacional, mas há algumas exceções. A territorialidade mitigada leva em consideração disposições do Direito Internacional, como no caso de navios e aeronaves, que podem ser tratados como uma extensão do território nacional, dependendo de sua bandeira.
•Navios e aeronaves: Se forem públicos, a lei brasileira se aplica; se forem privados, aplica-se a lei do país onde estão.