Você já ouviu uma notícia de crime e pensou: “Esse aí com certeza é culpado”?
Se a resposta for sim, talvez você também tenha sido impactado pela criminologia midiática mesmo sem saber o que é isso.

Precisamos entender como a mídia influencia a forma como enxergamos o crime, os acusados e o próprio sistema de justiça. E mais: lembrar de casos reais em que a imprensa errou e o custo foi altíssimo.

O que é Criminologia Midiática?

A criminologia midiática é um campo de estudo que analisa como a mídia constrói a imagem do crime e do criminoso. Em vez de apenas informar, jornais, programas policiais e portais muitas vezes espetacularizam a violência, criam personagens e moldam o julgamento social.

  • Termos como “monstro”, “bandido”, “maníaco” colam na mente do público antes mesmo de qualquer prova.
  • Suspeitos são exibidos algemados, com rosto e nome completos, como se o processo judicial fosse só uma formalidade e esse procedimentoi não fosse abuso de autoridade quando envolve autoridades.
  • Enquanto isso, crimes praticados por pessoas ricas ou influentes costumam receber um tratamento mais técnico e cauteloso. A mídia também é seletiva.

O problema disso tudo?

A mídia cria uma pressão indireta, mas extremamente influente, sobre todos os atores do sistema de justiça: juízes, promotores, jurados, delegados e policiais. Isso acontece porque esses profissionais também estão imersos na sociedade e, como qualquer cidadão, consomem notícias, assistem aos noticiários, leem manchetes e são impactados pela opinião pública.

Quando um caso criminal é amplamente divulgado com tom sensacionalista, com entrevistas emocionadas, imagens repetidas e adjetivos como “monstro”, “psicopata” ou “maníaco”, cria-se uma expectativa coletiva de punição rápida e exemplar. Muitas vezes, o julgamento social é formado antes mesmo do início da instrução processual. O processo penal, que deveria ser guiado por provas, contraditório e imparcialidade, passa a ser visto como um mero ritual para confirmar uma culpa já presumida.

Essa influência é ainda mais grave nos chamados “casos de grande repercussão”, em que a pressão por respostas imediatas se torna quase insuportável. O medo de parecer omisso ou conivente diante da comoção popular pode levar autoridades a agir com pressa, sem o devido cuidado ou aprofundamento jurídico necessário. Nesses casos, o direito penal deixa de ser técnico e passa a atender aos anseios emocionais da audiência.

E quando a mídia erra? Nem sempre existe tempo, interesse ou compromisso para reparar o dano causado. A retratação raramente tem o mesmo espaço ou alcance da acusação inicial. A pessoa já teve sua imagem exposta, seu nome associado a um crime, sua dignidade abalada e, em muitos casos, sua liberdade retirada.

O estrago já está feito. E o que deveria ser um processo de responsabilização baseado em provas se transforma em um espetáculo, onde a justiça real acaba sendo sufocada pela lógica do entretenimento e da audiência.

Casos em que a Mídia Errou Muito

Caso Escola Base (SP, 1994)

Os donos de uma escola foram acusados falsamente de abuso sexual infantil. A imprensa divulgou nomes, endereços e detalhes sem provas. Foram inocentados, mas perderam tudo.

Caso Eloá (SP, 2008)

Durante o sequestro da jovem, a mídia transmitiu ao vivo, entrevistou o agressor e interferiu nas negociações. O desfecho foi trágico e televisionado.

Caso Amarildo de Souza (RJ, 2013)

Amarildo, pedreiro, desapareceu após ser levado por policiais da UPP. A mídia inicialmente divulgou a versão da polícia. A verdade veio com a mobilização da comunidade: ele foi torturado e morto.

Caso Rafael Braga (RJ, 2013)

Foi o único preso nos protestos de 2013, acusado por portar Pinho Sol. A cobertura midiática foi rasa e pouco crítica. Rafael passou anos preso, mesmo sem provas consistentes.

Por que isso importa?

Porque quando a mídia antecipa a culpa, a presunção de inocência vira ficção.
Porque quando ela escolhe quais crimes merecem destaque, reforça a seletividade penal.
Porque quando o erro não é corrigido, o prejuízo não é só individual é institucional.

Justiça também é responsabilidade coletiva

Criminologia não é só para especialistas. É para qualquer pessoa que consome notícias, vota, compartilha conteúdo e se importa com a vida das pessoas.