Quando uma pessoa é condenada e, após cumprir parte da pena no fechado ou no semiaberto, chega ao chamado regime aberto, muita gente acredita que ali está a liberdade. Que finalmente a dívida com a Justiça foi paga e a vida pode seguir seu curso.
Mas será mesmo?
Neste texto, vamos direto ao ponto: o regime aberto ainda é cumprimento de pena. E mais do que isso, é uma fase marcada por expectativas irreais, pouca estrutura de apoio e vigilância constante. Institucional, social e interna.
Regime aberto ainda é pena em curso
De acordo com o Código Penal brasileiro, o regime aberto é o último estágio da execução da pena privativa de liberdade. A pessoa condenada pode permanecer em liberdade durante o dia, com obrigações como trabalhar ou estudar, mas deve manter comportamento adequado e, em muitos casos, comprovar ocupação lícita.
Ou seja, não é liberdade plena. É uma forma de execução penal que acontece fora dos muros da prisão, mas com regras, fiscalização e a constante ameaça de regressão de regime.
Todo mundo cobra, mas ninguém ajuda
Ao mesmo tempo em que se exige que a pessoa “recomece a vida”, praticamente não há política pública real de reintegração. O discurso é o de sempre: tem que trabalhar, tem que estudar, tem que andar na linha.
Mas na prática, o que se vê são portas fechadas.
- Empregadores recusam antes mesmo de ouvir a história
- Famílias têm dificuldade em restabelecer laços
- A comunidade desconfia
E toda a responsabilidade do recomeço cai no colo de quem já foi condenado. Fala-se muito em disciplina e pouco em acolhimento. Muito em comportamento e quase nada em estrutura.
Controle social é o que sobra quando o Estado se retira
Mesmo fora do sistema prisional, a pessoa continua vigiada. Por medidas legais, como comparecimento periódico e comprovante de trabalho, e também por um controle informal ainda mais difícil de lidar.
A vigilância se desloca da cela para o olhar do vizinho. Do comerciante. Do policial que reconhece a pessoa e a aborda só para “conferir”.
Essa vigilância constante gera um efeito silencioso: a autocensura. A pessoa começa a evitar espaços, conversas, exposições. O medo de “dar motivo” vira rotina. E a liberdade, que já era parcial, se encolhe ainda mais.
O rótulo de condenado não sai com o alvará
Mesmo depois de cumprir parte da pena e alcançar o regime aberto, o estigma continua. A Justiça pode ter reconhecido o direito de responder em liberdade, mas a sociedade não acompanha esse entendimento.
- A ficha criminal vira obstáculo
- O passado vira identidade fixa
- A tentativa de recomeçar encontra desconfiança em cada esquina
É como se dissesse o tempo todo: a gente te deixou sair, mas não te deixou recomeçar.
Melhor que o fechado, mas longe de ser liberdade
É claro que o regime aberto é um avanço em relação ao fechado. Menos violência, mais autonomia, mais chances de reconstrução. Mas ele também é frágil, instável e seletivo.
- Qualquer escorregão pode virar motivo para regredir de regime
- Qualquer dúvida sobre comportamento pode virar boletim de ocorrência
- Qualquer erro pode custar tudo
A pena formal pode até estar perto do fim, mas a pena simbólica, social e subjetiva continua muito viva.
A reintegração é cobrada, mas não tem base
A grande contradição do regime aberto é essa: exige que a pessoa se reintegre, mas não oferece condições reais para isso. Cobra mudança, mas não oferece apoio. Cobra conduta perfeita, mas ignora o contexto.
Enquanto for assim, o regime aberto vai continuar sendo visto como um benefício. E não como o que ele realmente é: mais uma etapa da pena, com menos muros e mais máscaras.
Porque se a liberdade é só pra vigiar melhor, então a pena nunca terminou. Só mudou de forma.